Os raios são um dos fenómenos mais atrativos e espetaculares da natureza. Estas potentes descargas eletrostáticas iluminam o céu durante as trovoadas elétricas com a luz mais brilhante do nosso planeta.
O fascínio que nos provocam os raios é evidente, há pelo menos 30 recordes Guinness relacionados com raios. Neste artigo comentamos alguns dos dados e curiosidade mais impressionantes.
A luz brilhante do raio provém das altas temperaturas que alcança no seu canal de descarga.
De facto, o local mais quente da Terra é o ar que rodeia os raios, com temperaturas à volta dos 30 000°C, cinco vezes superiores à superfície solar visível. A alta temperatura do ar causa um rápido aumento da pressão responsável pelo trovão, o som mais alto da Terra1.
As descargas atmosféricas mais comuns (90%) são Intra nuvem e, por conseguinte, ocorrem entre diferentes regiões carregadas eletricamente na nuvem. O raio nuvem-terra pode ter polaridades positivas ou negativas, dependendo da transferência de carga elétrica da nuvem. Embora representem menos de 5% do impacto total, os raios de polaridade positiva são mais poderosos do que os raios de polaridade negativa, atingindo 300 000 amperes e um bilião de volts.
Generalidades dos raios
Os raios geralmente são formados por vários impulsos de corrente que produzem o efeito cintilante que se vê em alguns relâmpagos. O recorde de impulsos num único relâmpago foi registado nos Estados Unidos em 1962 e mantem-se até hoje, com 26 impulsos.
Em 2019 aconteceu o relâmpago com maior duração: 16.73 segundos sobre a Argentina que dobrou o recorde anterior, de 2012 em França (7.74 segundos).
A distância típica que percorrem os raios é de 9 quilómetros, mas existem relâmpagos capazes de percorrer grandes trajetos. A distância media mais longa é de 709 quilómetros, num relâmpago que cruzou o Brasil desde o nordeste da Argentina até ao oceano Atlântico em 2018.
Apesar da elevada frequência de tempestades elétricas que podem ocorrer em qualquer estação do ano, os raios apresentam uma elevada incerteza estatística, especialmente para determinar o local em que cairá um raio. A fim de superar esta dificuldade no estudo científico dos raios, foram desenvolvidos métodos para produzir descargas utilizando foguetes. O mais comum destes métodos é lançar um pequeno foguete com um fio de cobre ou de aço ligado à terra. O campo elétrico gerado na extremidade superior do fio produz um traçador que se estende até à nuvem e vaporiza o fio. Desta forma, é estabelecido um caminho de menor resistência que favorece o impacto do raio no local de ligação do cabo à terra2. A primeira vez que tais descargas de foguetes foram conseguidas foi em 1977 na China. No entanto, o recorde do raio mais longo produzido pelo homem (embora num laboratório e não num campo aberto com um foguete) pertence a Nikola Tesla no seu laboratório no Colorado em 1899: o raio media 40 metros e o trovão causado foi ouvido a 35 quilómetros de distância.
O padrão de incidência de raios varia muito segundo a zona do planeta. De acordo com a National Oceanic anda Atmospheric Administratio (NOAA) nos Estados Unidos, cerca de 70% dos impactos de raios na terra acontecem nos trópicos, onde as condições atmosféricas são adequadas para a formação de tempestades elétricas. Especificamente, o lugar com a maior concentração de raios é a foz do Rio Catatumbo no Lago Maracaibo (Venezuela). Esta área recebe quase 250 relâmpagos por quilometro quadrado por ano. Mesmo assim, entre janeiro e abril de 2010 não se produziu nenhum raio, provavelmente por ENSO(El Niño/La Niña-Southern Oscillation).
Aquecimento global, incêndios florestais, raios vulcânicos e mais
Ao contrário dos trópicos, os Polos Norte e Sul têm a menor incidência de raios. Infelizmente, a concentração de raios está a aumentar progressivamente no Ártico devido ao aquecimento global. Os raios são responsáveis pela maioria dos incêndios florestais em todo o mundo. Portanto, o aumento dos raios no Ártico poderia precipitar o descongelamento do permafrost acelerando, segundo os especialistas, as alterações climáticas3,4. O raio mais a norte registado no nosso planeta ocorreu a 13 de agosto de 2019 a 89,53ºN, a apenas 54 quilómetros do Pólo Norte geográfico.
Os incêndios florestais causados por raios são mais antigos do que a espécie humana. Pensa-se, com base nos fósseis de plantas carbonizadas do Reino Unido, que um dos mais antigos incêndios florestais pode ter ocorrido há 419 milhões de anos atrás durante o período siluriano e foi provavelmente causado por um raio. Outro raio pode também ter sido responsável pelo incêndio mais prolongado, que se pensa ter começado há 5000 anos numa camada de carvão na Austrália e ainda está ativo a 30 metros de profundidade.
Em 1974-75, a Austrália sofreu possivelmente o maior incêndio de prados, que queimou cerca de 117 milhões de hectares (15% do continente). Alguns destes incêndios foram ateados por agricultores locais, mas a grande maioria foi causada por raios. Os incêndios podem induzir pirocúmulos, nuvens convectivas de grande dimensão vertical que podem produzir raios, granizo e até tornados. Raios de nuvens de pirocúmulos podem, por sua vez, provocar mais incêndios florestais. A atividade mais intensa de pirocúmulos foi registada a 1 de janeiro de 2020 durante os graves incêndios florestais na Austrália entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, que queimaram 5,8 milhões de hectares. Os pirocúmulos são também responsáveis pela injeção de aerossóis de partículas de carbono na estratosfera. Neste caso, foram 400 000 toneladas, o equivalente a uma erupção vulcânica moderada5. No entanto, o maior número de nuvens de pirocúmulos num Verão (17 nuvens de pirocúmulos distintos) foi registado por um satélite da NASA em 2001 durante os incêndios florestais nos Estados Unidos e Canadá.
Não só os pirocúmulos gerados pelos incêndios florestais causam raios, mas também algumas erupções vulcânicas são capazes de produzir os chamados raios vulcânicos ou tempestades sujas. A carga elétrica por trás destes relâmpagos é gerada por colisões entre rochas e cinzas na pluma, provavelmente com a colaboração do vapor de água emitido. A primeira referência ao relâmpago vulcânico aparece na correspondência do historiador Plínio o Jovem. Ele testemunhou a erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. da Baía de Nápoles, descrevendo os raios vulcânicos como “uma assustadora nuvem negra, quebrada por flashes rápidos e ziguezagueantes de relâmpagos”.
Um efeito curioso doa raios é a formação de fulgurites. Tais fulgurites são mineraloides vítreos de sedimentos sintetizados, vitrificados e/ou fundidos formados por descargas atmosféricas no solo. Os sedimentos dos quais se formam as fulgurites podem ser areia, rocha ou escombros. Em 1996 foi encontrado a maior fulgurite escavado até à data, estendendo-se por 5,2 e 4,9 metros a partir do ponto de impacto.
Efeitos destrutivos dos raios
No entanto, a maioria dos efeitos dos raios são mais prejudiciais do que as chamas cintilantes como, por exemplo, os incêndios florestais já mencionados. Mesmo as naves espaciais não são imunes a trovoadas. Em 1969, a Apollo 12 sofreu graves anomalias elétricas quando foi atingida duas vezes por um raio segundos após a descolagem. Felizmente, tanto o centro de controlo como a tripulação foram capazes de resolver os problemas sem que existissem feridos. A NASA também sofreu outro incidente em 1987 quando um raio acendeu três foguetes não tripulados: dois deles seguiram a trajetória programada enquanto o terceiro, destinado a estudar as trovoadas, embateu no oceano.
No entanto, os raios causam cerca de 24.000 mortos e 240.000 feridos anualmente6. O raio mais letal que atingiu um avião matou 91 pessoas quando o voo 508 da LANSA caiu na Amazónia em 1971. A única sobrevivente foi Juliane Koepcke, de 17 anos, que foi capaz de encontrar ajuda. No outro extremo, temos o guarda-florestal americano Roy C. Sullivan que detém o recorde mundial do Guinness por ter sido a única pessoa a sobreviver a sete impactos de raios. A sua morte anos mais tarde não foi relacionada com os raios.
O gado está também altamente exposto às consequências destrutivas das tempestades elétricas, uma vez que a distância entre as suas pernas torna os animais mais vulneráveis à tensão de passo. O raio mais letal matou 68 vacas Jersey que se encontravam abrigadas debaixo de uma árvore na Austrália, em 2005. Outras três vacas ficaram paralisadas, recuperando algumas horas mais tarde.
O espanto e admiração produzidos pelos raios não nos devem fazer esquecer que, sem uma proteção preventiva adequada, as tempestades elétricas representam um grande perigo para pessoas, animais, edifícios, florestas, etc., pelas suas grandes correntes elétricas.
Referencias
- Dwyer, J. R. & Uman, M. A. The physics of lightning. Phys. Rep. 534, 147–241 (2014).
- Rakov, V. A. et al. New insights into lightning processes gained from triggered-lightning experiments in Florida and Alabama. Journal of Geophysical Research vol. 103 (1998).
- Finney, D. L. Lightning threatens permafrost. Nat. Clim. Chang. 11, 379–380 (2021).
- Chen, Y. et al. Future increases in Arctic lightning and fire risk for permafrost carbon. Nat. Clim. Chang. 11, 404–410 (2021).
- Khaykin, S. et al. The 2019/20 Australian wildfires generated a persistent smoke-charged vortex rising up to 35 km altitude. Commun. Earth Environ. 1, 1–12 (2020).
- Cooper, M. A. & Holle, R. L. Reducing Lightning Injuries Worldwide. Springer Natural Hazards (2019).